Considerações sobre o erro humano
De George Hatcher
O Ponto de Vista do George
Os seres humanos são incríveis inventores, capazes de ver o “possível” em cada “impossível”. Criam prodígios da engenharia incrivelmente complexos, em nome da Hughes, da Learjet, da McDonnell Douglas, da Lockheed e de centenas de outros, cujos nomes não serão jamais esquecidos. Ainda assim, mesmo inventores talentosos podem criar fiascos ou deixar de enxergar todas as possibilidades envolvidas, mas a possibilidade de erro vai além do erro humano. O homem não é responsável pelo fato de a ferrugem existir. Você culparia Einstein pelo fato de a relatividade existir? Trata-se da dicotomia da realidade em que vivemos: tudo o que é positivo possui uma contrapartida negativa. Tudo o que há cria seu próprio oposto. A existência de algo “restaurado” permite a possibilidade de que algo “defeituoso” exista.
Raciocinando logicamente segundo essas diretrizes, pode-se especular e planejar, estudar e testar, aprimorar e revisar. Mas será que todo esse procedimento torna nossos projetos e planejamentos a prova de falhas? Mesmo que estes e aqueles fossem perfeitos (e não estou afirmando isso, pois falo de forma genérica), as coisas se deterioram. A natureza da realidade é a transformação. As coisas mudam. Planeje-se para enfrentar 3.000 possibilidades e você será pego de surpresa pela n° 3001.
Algumas vezes, precisamos tomar cuidado antes de começar a falar sobre erro humano. Infelizmente, o contexto do erro humano é a própria vida, pois, em teoria, pode-se atribuir a culpa de TUDO o que acontece ao erro humano. Se paciente morreu, a culpa é do médico. Não importa que o paciente contasse com 112 anos de idade e todas as doenças conhecidas pelo homem.
Na aviação, também colocamos todos os envolvidos no mesmo saco. Eles podem não ter causado a tempestade de raios, mas voaram direto para ela. Os humanos são criaturas maravilhosas, mas não somos capazes de controlar a natureza. Podemos planejar e programar tudo o que quisermos, mas se você for voar durante uma tempestade, vai certamente encontrar raios. Por isso, digamos que a tempestade é a responsável pelos acontecimentos. Devemos culpar o piloto por voar através da tempestade? Devemos culpar a arrogância do fabricante, que afirma a infalibilidade de seu avião e que este pode voar sob quaisquer condições?
Pilotos são seres humanos. Temos de tudo: do magnífico Sully, ao ridículo Marvin Renslow (da Colgan Air). O problema que um herói como Sully traz para o resto de nós é que ele cria o conceito de que pilotos bem treinados deveriam ser capazes de resolver qualquer situação de emergência.
Mas pegue, por exemplo, o caso do vôo 447 da Air France... Será que os pilotos deviam ter sido capazes de lidar com problemas na velocidade de vôo causados por dispositivos defeituosos?
Não conseguir retomar o controle após um evento imprevisível (variações bruscas do vento, problemas com outras aeronaves, defeitos do próprio avião) é falha do piloto? Se nós colocamos seres humanos na poltrona do comandante, realizando procedimentos automatizados e assistidos pelo computador, quando chega um momento de crise, com os sistemas redundantes de vôo inoperantes e um piloto que não consegue deixar de lado sua humanidade para se transformar no Super-Homem, o erro é do piloto?
Nossos pilotos hoje precisam lidar com cortes de custos que causam fadiga por excesso de trabalho e treinamento deficiente.
E ainda que principal dispositivo de segurança de um avião seja um piloto bem treinado, sabe o que acontece? Os pilotos são humanos. Seres humanos são passíveis de erro. São passíveis de erros ao operar aviões.
Não vamos esquecer que os pilotos voam em aviões que foram produzidos por seres humanos, cuja manutenção foi feita por seres humanos, cujo controle aéreo é feito por seres humanos, os quais pousam e decolam de aeroportos projetados por seres humanos.
Não há uma resposta definitiva. Já vi isso centenas de vezes e cada caso é único em si mesmo, com apenas um aspecto que se aplica a todos de forma geral:
O erro humano ocorre em todos os níveis e raramente de forma isolada.